BCR/ABL: dos mecanismos moleculares de indução de leucemia ao tratamento da leucemia mielogénica crónica
h3>Inibidores da proteína de fusão BCR/ABL
Como a actividade desregulada da tirosina quinase p210BCR/ABL é conhecida por ser o evento transformador essencial no CML, foram iniciados estudos destinados a inibir esta actividade de TK (Lugo et al., 1990; Oda et al., 1995).
p>Inibidores da tirosina cinaseeveral foram avaliados em células CML (Boutin, 1994; Levitzki e Gazit, 1995). Os primeiros a serem testados foram isolados de fontes naturais, tais como os antibióticos herbimycin-A, genisteína e erbstatina que inibem a actividade p210BCR/ABL TK in vitro, inibem o crescimento das linhas celulares BCR/ABL+ in vitro, e induzem a diferenciação eritróide da linha celular K562 (Carlo-Stella et al., 1996; Honma et al., 1989, 1990; Kawada et al., 1993; Okabe et al., 1992). Foram então desenvolvidos compostos sintéticos, tirosfostinas, e foram identificados AG957 e AG568 que inibem a actividade p210BCR/ABL TK in vitro, e induzem a diferenciação eritróide e apoptose da linha celular K562 (Anafi et al., 1993). Além disso, AG957 restaura β1-integrin-mediated adhesion of CML primary cells (Bhatia et al., 1998). AG957 também tem um efeito antiproliferativo sinergético com o receptor anti-fas nos progenitores CML (Carlo-Stella et al., 1999). No entanto, a baixa especificidade da actividade BCR/ABL TK é uma limitação importante destes inibidores de TK.
STI571
No final dos anos 80, foi identificada uma 2-fenilaminopirimidina com actividade inibidora específica da tirosina quinase contra o receptor do factor de crescimento derivado de plaquetas (PDGF-R), C-kit e ABL tirosina quinase, STI571 (anteriormente CGP57148, agora mesilato de Glivec ou imatinibe) (Buchdunger et al.., 1996; Druker e Lydon, 2000). Tal como as tirosfostinas, a STI571 funciona ligando-se à bolsa de ligação de nucleótidos altamente conservada do domínio catalítico da ABL-TK e bloqueando competitivamente a ligação de ATP (Schindler et al., 2000).
Estudos pré-clínicos mostraram que a STI571 inibe especificamente a proliferação de células leucémicas, e restaura o crescimento dependente da interleucina-3 (IL-3) e a diferenciação das linhas de células BCR/ABL+. O crescimento de células CML formadoras de colónias mielóides é fortemente inibido pela STI571 com um efeito mínimo no crescimento de colónias normais (Carroll et al., 1997; Deininger et al., 1997; Druker et al., 1996; Gambacorti-Passerini et al., 1997). Isto deve-se à inibição da proliferação e, em menor grau, à morte celular (Holtz et al., 2002). A cultura a longo prazo de células BM com exposição prolongada com STI571 mostrou efeito inibidor nos progenitores CML com pouca toxicidade para células normais (Kasper et al., 1999). Contudo, até 30-40% do Ph+ LTC-IC sobrevivem ao tratamento com STI571 (Holtz et al., 2002). Além disso, a inibição da actividade cinase BCR/ABL pela STI571 resulta na modificação transcripcional de vários genes envolvidos no controlo do ciclo celular, adesão celular e organização citoesquelética (Deininger et al., 2000), levando à morte apoptótica de pelo menos algumas células de Ph+. Estudos em ratos demonstraram um efeito in vivo de STI571 contra células BCR/ABL+. Contudo, a exposição contínua a STI571 foi necessária para erradicar os tumores gerados por 32DBCR/ABL (le Coutre et al., 1999). Antes dos testes clínicos, demonstrou-se que a STI571 tinha um perfil de toxicidade animal aceitável (Druker e Lydon, 2000).
Um ensaio clínico fase I com STI571 foi iniciado em Junho de 1998 (Druker et al., 2001b). Este ensaio foi um estudo de escalada de dose, concebido para estabelecer a dose máxima tolerada em 54 pacientes em CML de fase crónica que tinham falhado a terapia IFN-α. Os resultados estão resumidos no Quadro 1. Os efeitos secundários têm sido mínimos, sem toxicidade dose-limite de dose.
Os estudos da fase I foram alargados a pacientes CML em crise de explosão mielóide e linfóide e a pacientes com Ph-positivo recaído ou refractário TODOS. Os pacientes foram tratados com doses diárias de 300-1000 mg de STI571. Os resultados estão resumidos no Quadro 2. STI571 tem uma notável actividade de agente único na crise de explosão CML e Ph-positivo ALL, mas as respostas tendem a não ser duradouras (Druker et al.., 2001a).
A fase I foi seguida por um grande estudo internacional fase II entre Dezembro de 1999 e Maio de 2000, para avaliar a segurança e eficácia da STI571 em doentes com LMC com interferão-refractário e intolerante ao interferão, bem como doentes com LMC em fase acelerada, LMC em crise de explosão mielóide, e TODOS os doentes com Ph-positivo (Kantarjian et al., 2002; Sawyers et al., 2000; Talpaz et al., 2002). Este estudo inscreveu mais de 1000 pacientes em 27 centros em seis países ao longo de um período de 6-9 meses. Os resultados estão resumidos no Quadro 3. O estudo confirmou os resultados vistos na fase I e serviu de base para a aprovação acelerada da STI572 pela Food and Drug Administration (FDA).
desde então, um estudo aleatório de fase III comparando a STI571 com interferão e citarabina em doentes recém-diagnosticados, acumulado em mais de 1000 doentes num período de seis meses, e a recolha de dados está em curso.
Clinicamente, a maioria dos pacientes que recaem após uma resposta inicial à STI571 têm reactivação da cinase BCR/ABL (Gorre et al.., 2001). Estudos in vitro em linhas celulares murinas e humanas BCR/ABL-positivas resistentes à STI571 demonstraram que um mecanismo frequente de resistência à STI571 é a amplificação e sobreexpressão do gene BCR/ABL (le Coutre et al., 2000; Mahon et al., 2000). A sobreexpressão da glicoproteína Pgp, o produto do gene de resistência a múltiplas drogas (MDR), pode também contribuir para o fenótipo resistente. Aproximadamente, um terço dos pacientes que recaem após uma resposta inicial têm amplificação BCR/ABL (Gorre et al., 2001). Curiosamente, metade destes pacientes desenvolveram mutações pontuais no domínio da ABL cinase que resultam numa diminuição da sensibilidade à STI571 (Barthe et al., 2001; Gorre et al., 2001; Hochhaus et al., 2001). Pelo menos uma das mutações pontuais está num local previsto para ser um local de contacto entre o ABL kinase e STI571 (Gorre et al., 2001). Várias mutações pontuais estão em resíduos adjacentes aos pontos de contacto, enquanto outras estão no laço de activação da cinase (Barthe et al., 2001; Gorre et al., 2001; Hochhaus et al., 2001). No entanto, a mutação ou amplificação BCR/ABL não tem sido comumente observada em pacientes com resistência de novo STI571 e estão em curso estudos para identificar o mecanismo de resistência primária nestes pacientes.
A inibição da actividade cinase do ABL, receptor PDGF e receptor c-kit pela STI571 pode potencialmente interferir com a função celular normal. No entanto, o grau insignificante de efeitos secundários observados em ensaios clínicos com STI571 sugere que vias alternativas podem compensar a supressão das kinases ABL, PDGF e c-kit normais.
Inibidores de outras proteínas de transdução de sinal
Inibidores de Farnesyl transferase (FTI)
Esta estratégia baseia-se na noção de que a activação de RAS desempenha um papel central na transformação leucemogénica por BCR/ABL (Cortez et al, 1996; Goga et al., 1995; Mandanas et al., 1993; Pendergast et al., 1993; Puil et al., 1994; Sanchez-Garcia e Martin-Zanca, 1997; Sawyers et al., 1995; Senechal et al., 1996). A inibição da sinalização RAS por expressão de RAS dominantemente negativo, bloqueio da função proteica do adaptador Grb2 ou incubação com oligonucleótidos antisenso a p21Ras, impede a transformação BCR/ABL em vários modelos de linha celular (Gishizky et al., 1995; Sawyers et al., 1995; Sakai et al., 1994; Skorski et al., 1994a). A função de Ras depende da localização subcelular adequada na membrana plasmática através da adição de um grupo farnesil de 15 carbonos a Ras, uma reacção que é catalisada pela enzima transferase da proteína farnesil (FPT) (Gutierrez et al., 1989; Hancock et al., 1989; Long et al., 2001; Reiss et al., 1990; Stokoe et al., 1994). Os inibidores de Farnesyl protein transferase (FTI) são uma classe de medicamentos concebidos para bloquear especificamente a sinalização oncogénica de Ras e a transformação celular dependente de Ras (Gibbs et al., 1994). FTI perturbam a pré-nilação de Ras e sem uma localização subcelular adequada, Ras já não é oncogénico (Kato et al., 1992). Vários estudos têm demonstrado a potente actividade antitumoral de FTI in vitro contra células murinas transformadas por Ras e células cancerígenas humanas e in vivo contra a formação de tumores específicos de Ras em modelos murinos transgénicos e xenograft (End, 1999; Gibbs et al., 1997; Kohl et al., 1993, 1994; Nagasu et al., 1995; Rowinsky et al., 1999). Contudo, foi relatado que o FTI também inibe o crescimento de células transformadas que carecem de Ras mutante, sugerindo que outros mecanismos também estão envolvidos (Liu et al., 1998; Sepp-Lorenzino et al., 1995). Por exemplo, na presença de doses inibitórias de FTI, alguns substratos proteicos tornam-se alternadamente prenilados pela geranil-geranil transferase proteica. Como forma alternativa prenilada de RhoB exerce efeitos anti-proliferativos nas células transformadas (Lebowitz et al., 1997; Lebowitz e Prendergast, 1998). Este último pode ser responsável pelo efeito visto pelo FTI na proliferação celular. Estudos preliminares encorajadores documentaram que o FTI inibe a proliferação in vitro de TODAS e células de leucemia mielóide crónica juvenil (JCML) (Emanuel et al., 2000). Foi realizado um ensaio de dose-escalação fase I com o FTI R115777 em 35 adultos com leucemias agudas refratárias e recaídas (Karp et al., 2001). As respostas clínicas ocorreram em 29% dos 34 pacientes avaliáveis, incluindo duas remissões completas. Os resultados deste ensaio fornecem a primeira evidência de inibição bem sucedida da FT em células neoplásicas in vivo e sugerem que a FTI pode ser uma modalidade antileucémica promissora.
Furthermore, SCH66336, uma FTI oral, inibe potentemente a formação de colónias de ágar macio, retarda a proliferação e as linhas celulares BCR/ABL+ sensibilizadas para estímulos apoptóticos (Peters et al., 2001). Quando administrado a ratos com leucemia induzida por BCR/ABL, SCH66336 aumentou a sobrevivência de 4 semanas (sem terapia) para mais de um ano. No entanto, quando o SCH66336 foi retirado, os animais desenvolveram leucemia. A capacidade da SCH66336 de inibir a formação de colónias de células CML primárias foi também demonstrada (Peters et al., 2001). Estes resultados mostram que os compostos FTI são altamente eficazes como agentes individuais contra células hematopoiéticas transformadas em BCR/ABL, identificando os FTI como um potencial tratamento clínico para a leucemia induzida por BCR/ABL. Outro estudo relatou a eficácia do SCH66336 no tratamento da leucemia linfoblástica aguda positiva por BCR/ABL em ratos transgénicos P190 (Reichert et al., 2001). Outros estudos pré-clínicos com animais determinarão os méritos da utilização de FTI em combinação com outros tratamentos, tais como inibidores da tirosina cinase, para tratar a leucemia induzida por BCR/ABL.
Inibidores do proteasoma
O proteasoma é uma protease multicatalítica presente em todas as células eucarióticas e constitui o componente primário da via de degradação proteica da célula. Ao degradar proteínas reguladoras (An et al., 2000; Dietrich et al., 1996; Pagano et al., 1995; Wu et al., 2000), o proteasoma é a chave para a activação ou repressão de muitos processos celulares, incluindo a progressão do ciclo celular e a apoptose (Adams et al., 1999; Imajoh-Ohmi et al., 1995). Estudos in vitro e de xenoenxertos de ratos mostraram a actividade antitumoral dos inibidores do proteasoma numa variedade de tipos de tumor, incluindo cancro pancreático, da próstata e do cólon, mieloma e leucemia linfocítica crónica (Adams, 2002; Hideshima et al., 2001; Shah et al., 2001). Vários estudos investigaram a hipótese de que o proteasoma pode desempenhar um papel na regulação da função do BCR/ABL. Os efeitos dos inibidores do proteasoma, tais como aldeídos tripeptídicos, lactacystin, e PSI foram investigados em diferentes linhas de células leucémicas humanas. A inibição do Proteasoma resulta num aumento da morte apoptótica e no aumento do efeito dos fármacos citotóxicos em várias linhas de células mielóides (Dou et al., 1999; Drexler, 1997; Shinohara et al., 1996; Soligo et al., 2001). Este processo envolve a activação de caspases, perturbação na expressão das proteínas da família Bcl-2 e diminuição da expressão de p210BCR/ABL. Curiosamente, os inibidores proteasmáticos diminuem primeiro os níveis de actividade da tirosina quinase p210BCR/ABL e, subsequentemente, activam o programa de morte apoptótica em células K562 (Soligo et al., 2001). Estes resultados sugerem que a inactivação da função BCR/ABL pelos inibidores do proteasoma é essencial para a indução da apoptose nas linhas celulares leucémicas. Nas células primárias, a sensibilidade à PSI é três vezes maior nos progenitores CML CD34+ do que nos progenitores normais. A observação de que as células transformadas são mais sensíveis ao bloqueio do proteasoma do que as células normais, foi relatada nas células leucémicas em comparação com as células normais (Adams, 2002). Embora o mecanismo exacto desta susceptibilidade diferencial não seja totalmente compreendido, a inibição do proteasoma pode inverter algumas das alterações que permitem a proliferação e suprimir a apoptose em células malignas. O inibidor do proteasoma PS-341 foi o primeiro inibidor do proteasoma a entrar em ensaios em humanos. Foram concluídos ou estão em curso seis ensaios clínicos fase I para a PS-341 em tumores hematológicos malignos ou sólidos (Papandreou et al., 2001; Stinchcombe et al.., 2000), e a segurança e eficácia do tratamento PS-341 para mieloma múltiplo refractário e CLL estão a ser testados em dois ensaios em curso da fase II.
Immunomodulação
Isto será apenas brevemente discutido e remetemos os leitores para excelentes revisões que foram publicadas recentemente (Apperley et al.., 1998; Campbell et al., 2001; Clark e Christmas, 2001; Claxton et al., 2001; Dazzi et al., 1999; Goodman et al., 1998; Pinilla-Ibarz et al., 2000b).
Infusão de linfócitos do doador em pacientes CML que recaíram após transplante alogénico de células estaminais (SCT) aumenta significativamente a taxa de remissão a longo prazo (Kolb et al., 1995). Embora o mecanismo não seja completamente compreendido, isto prova que as células imuno-reguladoras podem especificamente eliminar progenitores leucémicos e células estaminais. A GVHD associada a esta terapia constitui a maior limitação para esta terapia. Contudo, o esgotamento selectivo dos linfócitos T CD8+ doador ou a transdução de linfócitos T doador com herpes tiamidina quinase simples pode permitir aos clínicos controlar a GVHD (Ackerman et al., 1978; Barrett et al., 1998; Giralt et al., 1995; Nimer et al., 1994; Tiberghien et al., 1994). A cocultura de linfócitos de dadores com células leucémicas hospedeiras ou antigénio que apresentem células dendríticas leucémicas de doentes com CML pode ser feita para gerar e expandir CTLs especificamente reactivas contra progenitores de CML (Choudhury et al., 1997; Faber et al., 1995; Falkenburg et al., 1993; Jiang e Barrett, 1995; Molldrem et al., 1997; Warren et al., 1998) ex vivo. O desenvolvimento de vacinas CML é outra abordagem valiosa. Nesta terapia, os peptídeos específicos de BCR/ABL são expressos em moléculas de MHC para gerar uma resposta CTL específica de leucemia. Vários estudos têm demonstrado o desenvolvimento de uma resposta imunológica específica. Resta saber se tais vacinas serão suficientes para tratar eficazmente a LMC (Bocchia et al., 1995, 1996; Bosch et al., 1996; Pinilla-Ibarz et al., 2000a; dez Bosch et al., 1999).
Administração de doses baixas ou intermédias de IL2 após SCT alogénica ou expansão ex vivo de células NK autólogas com IL2 antes da reinfusão aumenta o número e activa as células NK em doentes com LMC e pode ser útil para eliminar o mínimo residual da doença (Robinson et al., 1996; Soiffer et al., 1994; Vey et al., 1999).